7 de janeiro de 2010

Regressos


       Calças aos quadrados, casacos em xadrez miúdo barrigas proeminentes, gravatas vermelhas, verdes, azuis e óculos, óculos com aros de bico d’estrela e dois brilhantes na ponta. Aros grossos com dioptrias a 50º a Norte do horizonte.
        Caía uma neblina de entardecer nas azáleas floridas.
        Eram meados de Maio. E o sol insistia.
       O cais enchia-se. Manhã cedo era uma azáfama, um corre, corre, a alcatra feita na véspera, noite fora, com ânsia de abraços, os bolos de massa sovada, cobertos de pano branco, cheirando a chegadas.
       A melhor roupa, o melhor fato e veste os pequenos, e mexe-te p’ráqui e mexe-te p’ráli. É dia de S. vapor, mas aquele vapor vinha a transbordar de parentes da América, de novidades, de alegrias.
       Festa do Divino Espírito Santo... os ilhéus voltam sempre
       Eram um quadro de vida, escorrendo ternura. O mar ondulando. Gente como marés, a terra esvazia-se e abre caminhos em direcção ao Oceano. Fala-se e espreita-se o horizonte e buzina o barco virando a ponta da ilha… as lágrimas já correm, os pequenos sobem ao farol, saltam inquietos.
       Numa enxurrada chegam-se à beira.
       Os abraços caem como a saudade… frutos maduros.
       Á Francisco, estás tão profeito!
       E já no cais vão combinando, que o Chico é mordomo e vai coroar e dá a Função...
       Á Francisco na t’apoquentes foi mê pai que criou o bezerro.
       Ilhas não têm só partidas, são também terras de chegadas.
       E está tudo na mesma, a horta, o quintal.
       Tudo brilha, escasqueadinho.
       E trazem lembranças e enchem-se as gavetas de roupa corações de agradecer, palavras de felicidade em reboliço
       E faz-se a Função, enchendo o quintal de mesas e bancos, os meninos saltam e correm vestidos de branco, volitando anjos na lembrança para o tempo de recordar.
       Nas panelas ferve a sopa do Espírito Santo com raminhos de hortelã, o vinho corre p’los copos quais bodas de Canaan.
       São os olhos a transbordar de afeição, o tudo saber o sonho final.
       E é cais de novo porque os dias não fingem que o são.
       A buzina do barco, um choro com sentido incomoda e rói.
       O tempo daqueles doze meses há-de escoar-se em marés de retorno.
       Um lenço que acena, uma lágrima que diz:
       -Até p’ró ano!
       -Até p’ró ano!


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