27 de fevereiro de 2012

"Amanhã" ( Por causa d’hoje)


Hoje vou lembrar tempos antigos!
Do barulho do mar p'las noites de temporal,
Do vento a assobiar pelo telhado...
Da luz do candeeiro a estremecer...
Do cheiro das maçãs-pêro, perfumando o chão do sótão…
Dos murganhos a correr…
Vou lembrar-me de meu pai…
“Alvaroços “ bem lavados… desperdícios pelos bolsos…
Saxofone a brilhar…
Vou lembrar-me de meu pai,
No seu ar risonho, acostumado!
Vou lembrar das sextas-feiras na Guarita,
Da tia Emília a cozer pão alvo,
No seu ar afadigado…
Vou lembrar-me dos suspiros… das filhós,
Da batata-doce assada e da farinha torrada…
E do gato a ronronar de descansado…
Vou lembrar-me do sino da Conceição a tocar…
Das traineiras a partir…
Do meu Fiel que acordou a ladrar…
De um foguete atirado para o ar…
Da limpidez de um céu estrelado,
Da bênção que pedia a meus pais…
Vou lembrar-me da avó Maria,
Das tia emigradas no Brasil,
E que da América, vinham sacas,
Com “roipas coisas e loisas”…
Vou lembrar-me dum Coro de jovens a cantar,
Da bandeja, onde punha a riqueza dum tostão…
Das risadas, engasgadas no Refrão…
Do Josézinho Sacristão… E do nosso Padre Adão!
E das “gamas e candins”, que guardava,
Na saquinha de retalhos,
Que a avó Maria fazia…
Já de olhos demorados…
Vou lembrar-me…
E amanhã… Num amanhã que há-de vir…
Ireis lembrar-vos tal como eu,
“Desta parte da vida”, que foi feliz…
Que me fez… e me lembrou,
Hoje, talvez…
Porque a memória assim o quis !

Viajante


Viajo no tempo,
E um cheiro forte,
Polvilha o caminho
De terra queimada
E trago histórias,
Adivinhadas,
E outras tantas,
Nunca contadas…
Sinto-me antiga,
No rosto cai,
Um tom de azul…
Um quase nada…
No meu querer …
A madrugada!
Rodou a maré…
E a maré, mudou o rumo,
E os “Porquês”,
Vieram juntos,
Pelas manhãs,
E milagres tinham no meu regaço,
Guardados bem,
Tornando a vida, em pedacinhos,
Largando aqui,
Ali… Além!
Fui sendo eu…
Não sei ainda… Não me deixei poder ficar,
Demasiado tempo… pousada na vida,
Faltou-me tempo,
Para voar…
Mas agarrar-me à vida,
Fá-lo-ei sempre… mesmo sem nada…
Tão simplesmente,
Porque me garante, a garantia,
De ser eu esta….
Sobrevivente!