21 de março de 2010

Janelas de sonhos



 (Surgiram-me estas palavras ao ver as janelas sonhadas de Silvina Santos)


Nas suas mãos nascem teias,
Nascem cores, nascem laços e janelas,
Nascem frutos com sabores,
Emoldurados com sonhos,
De sonhos emolduradas,
Nascem aves, flores, rios,
Balões, baloiços e risos,
Sóis, borboletas, crianças.
Que vem vindo, chegam, espreitam,
E encantadas se sentam,
No teu banco de xadrez,
A imaginação ganha asas
Torna os sonhos em palavras
De histórias emolduradas,
Nascem casas, rostos, lembranças,
Porque nos seus olhos se espraia
A magia das crianças!
Vejo-a assim a criar coisas,
Assim como num pedaço de horta,
Onde por mãos de doçura,
Tudo brota! Tudo brota!
 

Poesia na EB2-3 de VNP

Só um cheirinho...

Saudade
A saudade é cinzenta,
É amarga,
Cheira a fumo,
É muito fria,
Tem o som da chuva,
O movimento dos lenços,
É pesada e faz-me sentir triste!

(Nuno 6ºA)

http://creardigital2.blogspot.com/2010/03/janela-dos-sonhos.html

"Calema" no dia da poesia...


Obrigada pelo que nos deixaste para saborear.

http://jcalema.blogspot.com/2010/03/dia-da-poesia.html

20 de março de 2010

Cousas da “nossa terra”


        No sossego da manhã, enluarados estão os campos...
       Maria e Tónio, erguem-se. Sentada na beira da cama, ela faz a trança ainda negra, enrolando-a num “poupo”.
       - Mexe-te mulher!
       - Credo, home, inté parece c’anda o fogo cá drento, devagar, se começa o dia, bai mas é tirar o bibo, q’eu inda bou à cozinha buscar a bolça da merenda, e a ti Ana do Arrocho inda não chamou p’la gente.
       Descendo as escaleiras , tónio tira o bibo, abrindo cortes e cortelhos.
       - Já te disse, Maria, o raio das pitas só m’impecilham.
       - Cala-te, home, qu’inda bão dando uns oibinhos.
       - Já disse! Num quero cá desse gado, vai-te lucro que me dá perca... E as vacas trazem cá uma esgana por causa do raio das pitas...
       Manhã fora, juntam-se como tufos de flores na Primavera, rios ondulados, caminhando que a leira é grande e há que sachar o milhão.
       Maria ri, sentada a canchas-pernas na burra.
       Como uma seara baloiçando, os corpos baixam-se, sacham, limpam, e cantam:
               P’lo mar abaixo
               Vai um piparote
               Se ele tiver vinho,
               Tirai-lhe o batoque.
       Hora do meio dia, na casa de um relógio medido pelo sol.
       Nos rostos tisnados, em mudo consentimento, rezam e juntam-se á volta do castanheiro.
       Hora pequena, apetecida...
       Saindo das bolsas salpicão e presunto, nacos de broa, tirando todos da mesma malga esgaritada, mãcheias de azeitonas, entornando goela abaixo, golos de vinho do molato.
       - Ora bão bendo, a chiba da ti Questódia Ferrolha anda a roer os gaimões.
       - Cala-te, quinda a somana d’alem, a levei ao preto da ti Maria Chamiça e olha qu’é um chibo bô.
       - Diz que está comá bitela do Morcas, inté já lá foi o emprenhador e sabeis o que diz o home? Diz p’ra lhe dar umas inchechões.
       - Credo, Santo nome de Jesus, como é qu’áde a chiba imprenhar com inchechões?
       Maria olha o sol, e corta aquela conversa de vidas diárias que se repetem.
       - Olhe ti Questódia, coma mas é o presuntinho e beba mais uma pinga, qu’a leira inda nem no meio está e vocemecê, bem sabe que o milhão precisa sachado...
       - Cá m’importa c’o milhão, ou c’a milhoa, qu’ando morrer bou deitada...
       - Ó ti Questódia, vocemecê também me saiu cá uma doletra!
       Estrada fora, partem ao toque das Avé-Marias. Cansados, despedem-se, indo acomodar o bibo.
       Noite já, Maria ainda vai à horta apanhar um braçado de caldo prós porcos.
       - As coibinhas já só tem olho, a sequeira é tanta! E não chobe, que miséria vai ser este ano...
       - Deixa lá mulher, Deus bem sabe o que faz, bai mas é fazer a áuinha d’arroz, e bamo-nos deitar, c’á manhã temos d’ir cortar o feno, lá pró inferno das Zaroteias.
       Espaço próprio, impossível de repetir-se, são as aldeias Beiraltinas, cantos do mundo, fora do tempo.
       Do lado norte da vida, a terra é casa, paz e morada, é ali que se prolongam os dedos, a alma... rítmicas raízes.
       Terra, anca fecunda, deste suor que sorri, porta extrema do amor e da memória, e na casa do peito, uma urgueira florindo, tocando o sol-posto num toque de finados.
       Secreta retina, com a terra, como irmã ou filha à ilharga.

19 de março de 2010

Março, 19...


(Mais um habitante na ilha) 


As marés rodearam-me

Tenho no coração um colar de oiro     líquido

Água a boiar       nenúfar cor de céu

A alegria e as palavras de encantar existem no lugar onde me habito!

14 de março de 2010

O meu horizonte molhado visto da minha janela



olhares.aeiou.pt/ilheu_das_cabras_foto2064518

Ilha é este gesto que abro nos dedos,

Em marés coalhadas de água e sal,

É roçar o sorriso no gosto do mundo,

Quando no peito nascem asas

E flor á pele dos sentidos, gaivotas,

Ilha, gota de terra, que desmaia sempre...

7 de março de 2010

Tia Adelaide (Tia Baida)

     
       A uma mulher extraordinária que habitou a minha infância, e que do mundo mágico que era o seu quarto, do alto do leito que a aprisionava, da sua cama de dossel, ensinou-me que não existem grades quando na imaginação temos asas, no pensamento aves, e nas palavras encantos.
       Que bom ainda é fazeres parte das memórias da história da minha vida...!

       Abria-se na vidraça um rastro de chuva os olhos semeavam silêncios, na rua o caminhar pacífico de quem tem e conhece todos os caminhos.
       Nunca um olhar foi tanto gente!
       Baida fora bonita (ainda o era) tinha percorrido os caminhos da vida com sabedoria, cheia de leveza, cabelo cor de vento, emprestando sons e rituais à sua voz ... e sabia coisas e contava histórias e ria num riso sorriso...
       No canto do mundo que é a sua terra, Baida era uma poalha de estrela.
       A cortina caiu.
       A vida era estranha e magoada... um homem de branco... dois médicos... trinta médicos... e Baida sorria ainda.
       Passeou dentro de si aquela dor de não mais correr, não mais saltar. E a alegria ainda coube no peito dela.
       Retirei-a breve, num poema gerado, eu, de pele porosa... um campo feito... um sobressalto, retomei-a nos dedos cobertos de sal e numa asa, laço de amizade digo-lhe.
       Que é nos seus olhos que habita a vida, ressalta, explode, brilha, comunica e envolve.
       Ela mudava a cor da parede, o lugar da mesa, talvez do quadro, podia mudar tudo, rejuvenescendo a paisagem que tinha dia sim, dia sim, sentir viva e nova para respirar.
       Passaria o tempo contando as flores da almofada que adornava o sofá...
       Ouvindo Beethoven e Bach... ler, conversar...
       Mas quem lhe dizia que tinha duas estrelas no fundo dos olhos, dois lagos sem fundo. E eu, correria louca, inconformada, aprendi dentro deles o verbo esperar, a regar o tempo como flores sedentas com mares de calma e sal.
       Caí no tempo, agitei-me, tentando reunir o sentido íntimo que já tinha adormecido nos dias de turbilhão.
       Toquei-me de palavras caladas e silêncios gritantes.
       Valia a pena.
       Viver só, é duro, viver na penumbra, dói, calar, mata!
       Baida no espaço do tempo dividido em quatro estações, tinha uma outra estranha, mas maravilhosa estação. É pois assim, Baida e o seu quarto, ondulando na esperança dos adultos-meninos que ainda sonham.
       E digo que a ilha e o quarto serão para Baida a minha hortênsia florida, o círculo do sereno existir.
       O mundo da Ilha dos Bravos, cristalizado no mundo dela!

       E tal como ela me ensinou, a melhor maneira de aprender a escrever, é escrevendo, não importa tarde ou cedo... Deixo pois a promessa de vos vir a contar todas as histórias que duas crianças viveram com enorme magia e cumplicidade, orquestradas e “dirigidas” unicamente, pela imaginação e vivacidade desta mulher, que tinha a sabedoria de saber existir.


(anaicfer.bloguepessoal.com)