28 de dezembro de 2009

Quem será?


26 de dezembro de 2009

Nánina

Um dia passei por uma terra, onde na altura decorria uma campanha inteligente, centrada nesta frase:
-“O verde é teu, respeita-o”.
Inspirada nesta frase imaginei uma história, …Uma criança como a que tu foste, existe a teu lado, respeita-a…

Nánina

Era um mar e uma ilha, vulcões adormecidos, caldeiras verdes do tempo... caminhos de gente sã.
Nánina lá p'lo mês de Março, erguia-se cedo que tinha de ir à cidade. Botava o cachiné, pegava no cesto, que dormia a semana inteira no prego do frontal, à espera c'as galinhas botassem.
Imentes inda ía à casa da Francisca escrever uma carta p'ró seu Manuel:
..."Ai Manuel, mê filho, a mãe tem tantas soidades tuas, logo haveras de ir às sortes a Samiguel..."
Lágrimas perdidas num rosto macerado, enchia o fundo daquela carta de cruzes e bolas. Pegava nela arrastando as galochas.
E Nánina corria a casa da Mariquinhas do Tomás da venda que lhe pedira uns pozes da botica e uma manga p'ró candieiro, e isto e aquilo... pegava no dinheiro embrulhando-o na ponta do lenço de barra preta.
E ía sem queixas por dentro, sem queixas por fora. Tratava das compras, vendia os ovos e contava as moedas na palma da mão.
Voltava p'ra casa e corria à Mariquinhas e dáva-lhe os pozes, a manga do candieiro e o troco. Atravessava a horta, apanhava umas couves, botava-as na amaçaria, sentava-se no estrado, doíam-lhe as costas. Fazia o caldo e bebia o resto com um pinguito de vinho de cheiro, que amanhã era outro dia. Outro dia de levantar cedo de um mês de Março.
Nánina era só. Sentada na soleira da porta do quintal, corria para trás no tempo... tinha sido menina com poemas no peito, atenta ao desabrochar das coisas, mas só fazia recados.
Entardecia, e o céu azulava de escuro com pintas brilhantes, que ela sabia serem estrelas... Olhou o seu sonho interrompido e vinha pelo carreiro correndo. Nánina por dentro menina, á muitas luas perdida, tinha balançado as pernas (agora cansadas) no balouço, que era o galho da laranjeira.
E era desinquieta, com fantasias que transbordavam o coração fora.
Quando olhando o céu, tranças ao vento, tinha pensado como se esconderia, a lua naquele quarto tão brilhante e recortado... e ainda havia a lua que chamavam de lua nova, noite em que nem quartos nem lua apareciam.
Mas o céu tinha outros segredos... ela sabia... ela sabia... estrelas com nomes e até estrelas que andavam sempre a correr, aquelas a quem se pediam coisas, quando eram as primeiras a passar no céu e que os nossos olhos viam.
Nánina menina, pedira à estrela cadente que a levasse a casa da senhora lua para que ela lhe mostrasse os seus quartos... e via-se correndo pelo quintal, não fosse a mãe chama-la de novo. A sopa já fumegava em cima da mesa da cozinha, e depois a avó que tinha a boca muito maior do que a dela e que comia muito mais depressa, dizia que ela demorava trinta Janeiros para comer tudo.
As pessoas crescidas esqueciam como era bom ser criança, e brincar e andar de baloiço e pensar no tecto da ilha que brilhava à noite e tinha estrelas e uma lua com quartos que ora mingavam ora cresciam.
A lua seria uma fada daquelas dos contos da mãe?
Sentada no chão, enquanto desfolhavam o milho, Nánina, menina, foi no sono sentada na sua estrela até à casa da senhora lua e viajou pelo tecto da ilha que era sem fim, maior que o mar, sem ponta por onde se lhe pegasse. Recebeu-a Dona lua, com um olhar de prata, lisinho como as laranjas da sua árvore. Virando-se toda, mostrou o seu quarto crescente e o minguante, fez-se lua cheia iluminando o céu todo, tornou-se lua nova e no escuro disse:
- Eu sou um astro! Estou aqui todas as noites e vigio os caminhos da tua ilha.
Nánina menina, pensava que a lua era a tal fada, e na descoberta daquele astro ficou maior e sábia.
Quando a olhasse como agora da soleira da sua porta havia então de lhe sorrir, porque ela sabia, que ela sabia, que aquela lua no tecto da sua ilha afinal era um astro.
Nánina, percebeu então o quanto importante era ser-se criança.
Ser criança era enfeitar-se por dentro, mesmo que se tivesse muitas luas como ela.


24 de dezembro de 2009

Seis Murmúrios de Natal


I


Óh! Meu menino de mar e espuma enfeitadinho de trigo e laranjas…
.
Natal era um frio que aquecia o coração
Quando do lado do ilhéu caía uma neblina gelada
E no pasto o bafo dos animais erguia nuvens na paisagem…
No armário da cozinha dormiam bolos de mel…
Natal era assim como o mar
Ia e vinha
Molhava-nos de ternura
Bordando nos gestos o mistério das coisas
Natal cordão umbilical do mundo…

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II

Natal é corola aberta que impertena
Desenho de amor contornando os gestos
Entre um Natal e outro
Uma ponte de esperança se poisa….

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III

Hoje o Natal será asa poisada
Pássaro de ternura que desperta
Rima aragem pulsando
Flor borboleta
.
Hoje Natal
É um silêncio convertido
Não fosse o Natal
Um reino d’outras águas…

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IV

Natal é provavelmente amor evidência
Menino nascendo
Alimentando-se de vida
Alegre? ou triste?
Natal
Certeza do que em nós se habitua
Mas que em ternura se rasga

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V

Natal
Invólucro de paz
Abrindo caminhos encharcando-nos
Natal dia de todos os dias
E assim nos desfazemos
Perante um menino
Como gotas ternas fluidas…

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VI

Tenho um natal de mar…
.
A terra chora no cais
Pranto roxo lento lamento
E seus braços em arco e esperança
Deram o salto do fim do mundo…
Quando as mãos da terra
Se tornarem abraço espaço
E o seu choro sorriso subindo
A terra por um menino
Compreenderá tudo!

23 de dezembro de 2009

Mais uma vez é Natal

       ...Mais uma vez alguns se lembrarão de presépios... dias frios... de lareiras quentes... de corridas ao musgo, às pedras bonitas... mais uma vez alguns se lembrarão do reboliço nas cozinha... travessas... cheiros bons a doces, canela e mel, nozes pinhões e figos... a mãos enfarinhadas, manteiga dourada... ovos... açúcar, e olhares de segredos adivinhando surpresas escondidas. De pinheiros erguidos ao canto da sala... de bolas e sinos... anjos e velas, fios e luzes... meninos correndo... meninos rindo esgueirando-se lambendo os restos doces nas colheres de pau.
       Montras luzindo, piscando o seu brilho, entornando desejos nos olhos das crianças.
       Mais uma vez alguns se lembrarão das mãos atarefadas das mães e avós, do sorriso cúmplice dos pais, dos sinos tocando... do olhar tão doce, terno e perfeito dum menino deitado nas palhas, entre Maria e José... burro e vaquinha, estrela ao alto... ovelhas e cordeirinhos... pastores e reis.
       Mais uma vez será Natal... mais uma vez alguns se lembrarão que Natal era um tempo mágico, ainda aguardando que o continue a ser.
       Hoje, digo, que Natal é entrega, é dádiva de vida, que Natal é nascer e ser, de dentro para fora, é crescer por dentro, é ser mão que se estende, é esquecermo-nos mais de nós para pensar no outro.
       Mais uma vez é Natal, e alguns quereriam dar presentes bonitos, embrulhados com carinho, comprados com o coração, de moedas poucas.
       Mais uma vez alguns se vão juntar em família e partilhar por afecto e amor essa noite especial.
       Mais uma vez alguns se lembrarão que entre Natais que chegaram e partiram, a vida os foi encontrando mais sós.
       Alguns se lembrarão que o amigo, o vizinho, os que nada têm, precisariam primeiro que nós, daquilo que na nossa mesa é muito?
       Alguns se lembrarão de quantos não têm missa do galo, consoada, pelo peso dos anos, da saúde, ou da comodidade dos “seus”?
       Alguns se perguntarão onde nasce, germina e cresce e se transforma em gesto o espírito cristão?...
       Que Natal de nascer é este? Que separa e não une, que ostraciza e nos toca, como um pingo frio de chuva que se sacode do ombro, porque incomoda... porque molha?
       É tão mais fácil fazer de conta... Tudo está “bem”, quando no nosso “Pequeno-Mundinho”, nada vem perturbar...
       Mais uma vez, lágrimas escondidas ficarão guardadas no livro das lembranças de alguns.
       Que estas palavras possam ser a diferença, para todos esses. Que sejam consolo, prenda, sorriso, mão estendida, sinal de quem os lembrou; sejam abraço quente numa espécie de prenda-carta de amor. Porque Natal vale a pena.
       A todos, aos que têm... aos que não têm... aos que estão alegres... aos que estão tristes... aos que ainda sonham... aos que não sonham, mas que acreditam que a palavra Natal muito pode mudar, pois que entre um Natal e outro uma ponte de esperança se poisa.
       Feliz! Feliz Natal!