9 de fevereiro de 2010

Bichinho Geográfico

       (O porquê da lengalenga do bicho-de-conta)
      
       Bicho de conta, sou eu, escondendo o lado do avesso, enrolando o lado de fora.
       E desta conta que sou, abro frinchas pra que saiam , passos, contos, histórias doces, enternurando a voz, quando é a vez de contar. Verbalizando-as, são únicas, de um tempo que terá sempre o seu tempo, um tempo para ensolarar.
       Seu nome de Nicolau, Saraiva nem sei porquê! Era um bichinho-de-conta, andava sempre a enrolar.
       Sua mãe era Dona Conta, Dona Conta de Contar.
       Brilhante, luzidio, este bichinho cinzento, que sabia rebolar era feito em “dobradiças” assim pela mãe natureza, mas com perfeição tamanha que dir-se-ia, que ao ter medo e ao enrolar-se até parecia façanha. E era assim tal e qual. Igual não conhecia, e de bichos e bicharocos, conhecia eu a rodos.
       Mas deste bichinho de conta começo-vos agora a contar:
       Certo dia, num daqueles em que brilha o sol no céu, apetece manga curta, uns calções e perna ao léu, havia eu de descobrir para meu perfeito pasmar, que um bicho que é de conta, não é só bicho de contar.
       Maria que era das Dores, Dorzinhas chamava-a eu, veio a correr, coradinha, esbaforida, cabelo curto, ondinhas largas, como as do mar espraiadas, pequenita, olhos azuis, azuis como dois lagos, ou como a cor da estrada estrelada, em que os anjos se passeiam, sem se importar com mais nada.
       Tinha lá, isso tinha, um arzinho angelical, mas combinando comigo, dava uma mistura infernal.
       Olhando-me diz-me ela, num jeito que espevita a curiosidade, aguçando-me os sentidos, numa autêntica delícia: Se soubesses o que encontrei ao fundo do meu quintal, mesmo junto à capoeira, (paredes meias com a parada da polícia que tinha o quartel ao lado e que em golfadas de água por garrafa de pirolitos, era o nosso perfeito alvo) e continuando diz-me ela: Está lá um bicho de conta, um bicho de conta danado!
       Danado, disse eu!
       Ele só sabe enrolar-se, não faz muito mais do que isso!
       Ai! Estás tu muito enganada, fiz a maior das descobertas, este bichinho é diferente, este bichinho é fantástico!
       É um bichinho geográfico!
       Os meus olhos de castanhos, cheios de sonhos e histórias, aguados de horizonte, ficaram tontos, tontos, até se tornarem negros, grandes esbugalhados, tentando adivinhar os segredos que tal bichinho de conta tinha ainda pra contar, fora aqueles que sabíamos, e não íamos desvendar.
       Desceu os degraus em pedra que levavam ao quintal, e num canto da parede, forrada de “ervas-arroz”, mostrou-me entusiasmada o que a mãe natureza lá pôs.
       Um ninho!... Nem sei se ninho se chama, ao lugar onde nascem e crescem, enrolam e desenrolam, os nossos bichos-de-conta; Mas é casa... moradia, um cantinho para estar, lugar perfeito para bichos que crescem e se multiplicam, com a aragem do mar.
       E foi nessa descoberta de crianças, tão ingénua, que começou a brincadeira, do bichinho apontador das ilhas, a posição. Bastava tocar-lhe ao de leve, num jeito doce da mão, pontas dos dedos suaves, como seda e pensamentos, acariciando a mãe Conta e todos os seus rebentos.
       E foi aí que nasceu o Bichinho-Bichiel, que assim nos indicava onde era S. Miguel, e do Bichinho-Bichial que nos mostrava desenrolando onde ficava o Faial.
       Esse bicho passou a servir prás mães contarem às filhas, que nas cozinhas existia, debaixo de qualquer armário, em lugar de se esconder, um bichinho que contava as vezes que a sopa ficava, ou não, por comer.
       Se fosse sopa de letras... mil conchas de borboletas viriam povoar os nossos sonhos. Se era de feijão, ele contava grão a grão... se fosse de vegetais eram beijos e coisas tais...
       Por isso as crianças sabiam que assim sentando-se à mesa e no prato fumegava sopa, o bichinho de contar, estava lá a espreitar, e depois contava às mães, sem “emboras”, nem “poréns”, o que se comia ali.
       Muito, pouco, nada, tudo!
       Não era um bicho papão... Não!
       Mas acreditando na história, não deixava as “mães na mão”.
       Que graça tinha este bicho, que para além de “inteligente”, servia para contar histórias, que tinham lá dentro gente.
       E por mim contado ás crianças, constrói as minhas lembranças!

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