26 de dezembro de 2009

Nánina

Um dia passei por uma terra, onde na altura decorria uma campanha inteligente, centrada nesta frase:
-“O verde é teu, respeita-o”.
Inspirada nesta frase imaginei uma história, …Uma criança como a que tu foste, existe a teu lado, respeita-a…

Nánina

Era um mar e uma ilha, vulcões adormecidos, caldeiras verdes do tempo... caminhos de gente sã.
Nánina lá p'lo mês de Março, erguia-se cedo que tinha de ir à cidade. Botava o cachiné, pegava no cesto, que dormia a semana inteira no prego do frontal, à espera c'as galinhas botassem.
Imentes inda ía à casa da Francisca escrever uma carta p'ró seu Manuel:
..."Ai Manuel, mê filho, a mãe tem tantas soidades tuas, logo haveras de ir às sortes a Samiguel..."
Lágrimas perdidas num rosto macerado, enchia o fundo daquela carta de cruzes e bolas. Pegava nela arrastando as galochas.
E Nánina corria a casa da Mariquinhas do Tomás da venda que lhe pedira uns pozes da botica e uma manga p'ró candieiro, e isto e aquilo... pegava no dinheiro embrulhando-o na ponta do lenço de barra preta.
E ía sem queixas por dentro, sem queixas por fora. Tratava das compras, vendia os ovos e contava as moedas na palma da mão.
Voltava p'ra casa e corria à Mariquinhas e dáva-lhe os pozes, a manga do candieiro e o troco. Atravessava a horta, apanhava umas couves, botava-as na amaçaria, sentava-se no estrado, doíam-lhe as costas. Fazia o caldo e bebia o resto com um pinguito de vinho de cheiro, que amanhã era outro dia. Outro dia de levantar cedo de um mês de Março.
Nánina era só. Sentada na soleira da porta do quintal, corria para trás no tempo... tinha sido menina com poemas no peito, atenta ao desabrochar das coisas, mas só fazia recados.
Entardecia, e o céu azulava de escuro com pintas brilhantes, que ela sabia serem estrelas... Olhou o seu sonho interrompido e vinha pelo carreiro correndo. Nánina por dentro menina, á muitas luas perdida, tinha balançado as pernas (agora cansadas) no balouço, que era o galho da laranjeira.
E era desinquieta, com fantasias que transbordavam o coração fora.
Quando olhando o céu, tranças ao vento, tinha pensado como se esconderia, a lua naquele quarto tão brilhante e recortado... e ainda havia a lua que chamavam de lua nova, noite em que nem quartos nem lua apareciam.
Mas o céu tinha outros segredos... ela sabia... ela sabia... estrelas com nomes e até estrelas que andavam sempre a correr, aquelas a quem se pediam coisas, quando eram as primeiras a passar no céu e que os nossos olhos viam.
Nánina menina, pedira à estrela cadente que a levasse a casa da senhora lua para que ela lhe mostrasse os seus quartos... e via-se correndo pelo quintal, não fosse a mãe chama-la de novo. A sopa já fumegava em cima da mesa da cozinha, e depois a avó que tinha a boca muito maior do que a dela e que comia muito mais depressa, dizia que ela demorava trinta Janeiros para comer tudo.
As pessoas crescidas esqueciam como era bom ser criança, e brincar e andar de baloiço e pensar no tecto da ilha que brilhava à noite e tinha estrelas e uma lua com quartos que ora mingavam ora cresciam.
A lua seria uma fada daquelas dos contos da mãe?
Sentada no chão, enquanto desfolhavam o milho, Nánina, menina, foi no sono sentada na sua estrela até à casa da senhora lua e viajou pelo tecto da ilha que era sem fim, maior que o mar, sem ponta por onde se lhe pegasse. Recebeu-a Dona lua, com um olhar de prata, lisinho como as laranjas da sua árvore. Virando-se toda, mostrou o seu quarto crescente e o minguante, fez-se lua cheia iluminando o céu todo, tornou-se lua nova e no escuro disse:
- Eu sou um astro! Estou aqui todas as noites e vigio os caminhos da tua ilha.
Nánina menina, pensava que a lua era a tal fada, e na descoberta daquele astro ficou maior e sábia.
Quando a olhasse como agora da soleira da sua porta havia então de lhe sorrir, porque ela sabia, que ela sabia, que aquela lua no tecto da sua ilha afinal era um astro.
Nánina, percebeu então o quanto importante era ser-se criança.
Ser criança era enfeitar-se por dentro, mesmo que se tivesse muitas luas como ela.


Sem comentários:

Enviar um comentário